CEOs de grandes empresas estão incluindo novas atividades entre as prioridades do dia a dia. Para se aproximar mais das equipes e diretorias em um período de expedientes híbridos, incertezas no mundo dos negócios e maior pressão por resultados, o alto comando lidera ações de “resgate de confiança”. Com a movimentação, começam a ficar para trás recursos sintonizados com os anos pandêmicos — como lives de “café da manhã com o presidente” e videoconferências semanais ao lado das gerências — e entram no horizonte iniciativas de contato direto, como torneios esportivos e programas de “team building” (formação de times) com os funcionários.
De acordo com os executivos, além de uma maior integração entre departamentos, a ideia de montar um calendário para “chegar junto” visa comunicar, nas entrelinhas, estratégias de crescimento e gerar uma sensação de pertencimento à companhia, por meio de agendas em grupo.
Da parte dos funcionários, segundo relatos feitos ao Valor sob condição de anonimato, participar dos encontros com as chefias ajuda a entender melhor as perspectivas da empresa sobre o futuro. “Nessas ocasiões, as lideranças acabam ficando mais abertas a falar e ouvir feedbacks sobre decisões e projetos”, diz o gerente de uma companhia de bens de consumo, com vinte anos de profissão.
Na gigante de tecnologia Oracle, com 130 mil funcionários no mundo, sendo 2,5 mil no Brasil, a direção resolveu suar à camisa para garantir uma melhor conexão entre os empregados. A partir de abril, Alexandre Maioral, presidente da companhia no país, organizará um torneio de vôlei de praia com times mistos. As partidas acontecerão em um espaço de quadras de areia, em São Paulo (SP), e o plano é envolver chefias e liderados. “Essa é uma ação, entre muitas, que fazemos para integrar”, diz Maioral, há 12 anos na Oracle e desde 2021 na principal cadeira da multinacional americana no Brasil. “Com a intensificação do trabalho híbrido, é importante unir equipes”. A iniciativa, segundo Maioral, também reforça uma campanha interna da organização, chamada “Embrace equity” (“Abrace à igualdade”, do inglês), de valorização da força de trabalho feminina. “[Os jogos] serão uma oportunidade para fortalecer relacionamentos pessoais e profissionais”.
Na visão do executivo, após dois anos de pandemia, 2023 promete mudanças positivas e é preciso que todos estejam abertos a aproveitar a retomada dos negócios. “O ano vem com proposta de crescimento e um olhar para as oportunidades”, pondera. “Os clientes contaram conosco em um período de aceleração da transformação digital. Os próximos meses oferecem boas chances de continuar esse processo. O meu projeto, desde que assumi a posição de CEO, é alcançar um crescimento de três dígitos. Mas, para isso acontecer, precisamos das pessoas”.
A Oracle reportou lucro líquido de US$ 1,8 bilhão no terceiro trimestre fiscal do ano, encerrado em fevereiro, uma queda de 18% em relação ao anunciado no mesmo período de 2022. A receita líquida da companhia, por sua vez, cresceu 18% em base anual, para US$ 12,3 bilhões no terceiro trimestre fiscal.
Ricardo Basaglia, CEO da consultoria de recrutamento PageGroup Brasil, lembra que relações de confiança não são construídas “do nada”. Tem que dedicar tempo, interesse e energia, explica. “É papel do líder construir ambientes onde seja possível gerar engajamento e conexões”.
É o que está fazendo também a executiva Sandra Maura, CEO da Topmind, empresa de tecnologia com 1,2 mil funcionários e clientes como Nestlé e Syngenta. Este ano, ela retomou um programa de team building que existia desde 2016, mas foi desativado por conta do distanciamento social. Dirigido para a liderança, envolve reuniões mensais com recursos de gamificação, tarefas colaborativas e práticas de desenvolvimento, a fim de “ampliar as habilidades dos empregados e o ‘pertencimento’ à empresa”. O movimento inclui cerca de 100 funcionários, entre gerentes e diretores, e todos já participaram de alguma das imersões. “Buscamos desenvolver o senso de ‘espírito de dono'”, diz a executiva, que fundou a companhia há 19 anos. “Participo de todas as reuniões e dinâmicas”.
Entre as atividades, estão jogos de exercício mental, pintura e games, comandados por especialistas do mercado. “Eles trazem visões diferentes para os colaboradores, que ampliam as formas de enxergar desafios profissionais e pessoais”, explica. A lista de mentores inclui uma professora de belas artes, que ajuda a “fazer a ponte” da criatividade com a tecnologia, atividade-fim da marca. “Essa troca entre mundos tão distintos [arte e TI] tira as pessoas das zonas de conforto”.
As próximas reuniões, ainda neste semestre, vão abordar o conceito de “mundo Bani” (sigla para “brittle, anxious, nonlinear e incompreensível”, ou “frágil, ansioso, não linear e incompreensível”, do inglês). A expressão, criada pelo antropólogo e futurologista americano Jamais Cascio, se refere aos desafios da modernidade, com reflexos no ambiente de trabalho.
Maura acredita que as condutas com poder de unir o quadro devem escalar nos próximos anos. “Sempre foi essencial que as empresas investissem nas equipes”, diz. “Mas, agora, isso se tornou obrigatório para que os times mantenham a confiança em suas habilidades e lidem com um mundo incerto, em constante mudança”.
A executiva afirma que as políticas de “reaproximação” também ajudam na retenção de talentos. “Temos o objetivo de manter funcionários de carreira, que façam uma jornada profissional aqui dentro”, explica.
A maioria do quadro da Topmind tem, em média, dez anos de casa, um período considerado raro na indústria de TI, com um turnover de 3%, ante 15% do setor, segundo informações do mercado. A companhia abriu mais de 250 vagas em 2022 e pretende manter o mesmo patamar em 2023. O programa de team building trouxe outros aspectos positivos, como a maior confiança das equipes nas tomadas de decisão e tranquilidade para atravessar fases de incertezas”, garante. “No ambiente de trabalho, tudo pode ser sempre melhorado, desde que haja reconhecimento, colaboração e proximidade.”